top of page

Literatura, Leitura, Mediação de Leitura

 

© Rosana Rios

 

O que é Literatura? Podemos defini-la de várias maneiras. Como um fenômeno social e cultural nascido de gêneros milenares, que permanecem vivos apesar da passagem dos séculos. Podemos defini-la como uma das variadas formas da Arte que os seres humanos criam. Ou apenas como uma matéria escolar, que se deve impor (mesmo que goela abaixo) às crianças e aos jovens.

Sobre isso, o professor e escritor francês Daniel Pennac nos explica que

 

O verbo ler não suporta o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros: o verbo “amar”… o verbo “sonhar”… Bem, é sempre possível tentar, é claro. Vamos lá: “Me ame!” “Sonhe!” “Leia!” “Leia logo, que diabo, eu estou mandando você ler!”

– Vá para o seu quarto e leia!

Resultado?

Nulo.1

 

Conclusão: a imposição não forma leitores. E, apesar disso, continuamos a bater nessa tecla. Ler é importante. Ler é fundamental. “Um país se faz com homens e livros”… E por aí vai. Queremos, exigimos que nossos jovens leiam. Que mergulhem no mundo da Literatura e saiam do mergulho renovados, transformados… mas transformados em quê?

Precisamos redefinir o que é literatura, qual sua origem, antes de tudo. Para refletir sobre a importância de se discutir como trabalhá-la entre crianças e jovens, e também sobre as narrativas que lhe deram origem, podemos lembrar certa história da tradição hebraica.

 

O Baal Shem Tov era um sábio que invocava Deus quando o povo de sua aldeia precisava de ajuda. Ele conhecia um local especial da floresta, ia até lá, fazia uma fogueira e dizia uma oração. E Deus vinha e ajudava. Quando Baal Shem Tov estava velho e percebeu que ia morrer, chamou o povo da aldeia e disse: Quando eu me for, vocês terão de invocar sozinhos a Deus. Vocês conhecem o local da floresta, sabem acender a fogueira e sabem dizer a oração. Façam isso e Deus virá. Depois que o sábio morreu, a primeira geração fez exatamente isso. Mas, na segunda geração, as pessoas haviam esquecido como se acendia a fogueira. Iam, porém, até o lugar especial da floresta, diziam a oração, e Deus vinha. Na terceira geração, o povo já não lembrava como acender a fogueira ou chegar àquele ponto da floresta; porém, diziam a oração, e Deus vinha. Afinal, na quarta geração, ninguém sabia mais como ir ao local da floresta, como acender a fogueira, nem as palavras da oração. Mas uma pessoa ainda se lembrava da história do Baal Shem Tov, e a contou em voz alta. E Deus veio.2

 

Talvez seja isso que acontece conosco. Pertencemos a uma geração que perdeu a conexão com o passado; não sabemos mais onde nossos deuses devem ser invocados, como acender as fogueiras ou dizer as palavras rituais. Mas ainda nos lembramos de algumas histórias antigas, e é através delas que conseguimos entender quem somos e o que estamos fazendo aqui. As narrativas ancestrais despertam em nós a necessidade de conexão com o outro, de sentirmo-nos unidos ao resto da Humanidade. São um antídoto contra a solidão e o individualismo que marcam esta época.

São geradoras de empatia.

 

Como educadores, precisamos refletir sobre tudo isso. Não é por acaso que nos interrogamos a respeito da literatura – arte da palavra – a respeito do livro – suporte tão privilegiado da palavra escrita – a respeito do ensino da literatura e do texto destinado à criança e ao jovem contemporâneo.3 (Profª Maria Zilda da Cunha).

 

Nessa interrogação, diante do trabalho de estímulo à leitura entre crianças e jovens, quando nos colocamos na posição de mediadores, não há como ignorarmos a importância do mito, da narrativa popular, do conto de tradição oral. Da herança do passado.

Pois a Literatura, que grafamos com “L” maiúsculo (e que foi, por definição, dividida em três grandes gêneros: Lírico, Épico, Dramático) bebeu na fonte primordial dos antigos: os mitos e os contos folclóricos são a matéria-prima de toda ficção. E que são, ao mesmo tempo, mentiras e verdades… O escritor, ilustrador e doutor em Literatura Ricardo Azevedo escreveu:

 

O livro é um lugar de papel e dentro dele existe sempre uma paisagem. O leitor abre o livro, vai lendo, lendo e, quando vê, já está mergulhado na paisagem. Pensando bem, ler é como viajar para outro universo sem sair de casa. Caminhando dentro do livro, o leitor vai conhecer personagens e lugares, participar de aventuras, desvendar segredos, ficar encantado, entrar em contato com opiniões diferentes das suas, sentir medo, acreditar em sonhos, chorar, dar gargalhadas, querer fugir e, às vezes, até sentir vontade de dar um beijinho na princesa. Tudo é mentira. Ao mesmo tempo, tudo é verdade, tanto que após a viagem, que alguns chamam leitura, o leitor, se tiver sorte, pode ficar compreendendo um pouco melhor sua própria vida, as outras pessoas e as coisas do mundo.

 

Importa, também, destacarmos que, dentro da escola, muitas vezes os alunos não são lembrados de que há diferentes momentos de ler e há diferentes leituras para obras informativas e obras literárias… É vital recordarmos que a linguagem pode ser denotativa ou conotativa.

A linguagem denotativa comunica uma informação precisa, palpável: todos devem receber a mesma mensagem. Como uma definição no dicionário, por exemplo:

 

pedra. [do grego pétra, pelo latim petra.] Substantivo feminino. 1. Matéria mineral dura e sólida, da natureza das rochas. 2. Fragmento dessa matéria: as pedras de um rio, de um caminho.

 

Mas a linguagem conotativa sugere múltiplas significações e dá margem a inúmeras leituras; as palavras transmitem ideias e associações que remetem à experiência do receptor. Cada pessoa encontrará nessa linguagem significados próprios e de acordo com seu próprio repertório. É o caso da ficção ou da poesia. Quantos terão as mesmas ideias ao ouvir o poema de Drummond?

 

Tinha uma pedra no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra (...)

 

A literatura que rotulamos como LIJ (Literatura Infantil e Juvenil), e que se tornou o espaço privilegiado por meio do qual a ficção e a arte chegam às nossas crianças e jovens, é muitas vezes confundida com obra didática, matéria escolar. E quase sempre é vista como uma literatura de menor valor por grande parte dos críticos literários, talvez por sua origem e pela sua associação frequente com os textos da prática pedagógica.4 (Prof. José Nicolau Gregorin Filho).

 

No entanto, um bom livro é um bom livro, independentemente dos rótulos a ele impostos. Infantil? Juvenil? Adulto? Não importa… Na maioria, os bons autores, na prática ficcional, não decidem simplesmente escrever algo dirigido a um leitor de oito anos e meio, ou a um jovem de quinze anos e três meses, ou a um adulto acima dos trinta e cinco. Eles e elas escrevem. Utilizam-se das palavras como matéria-prima para sua arte. E, se bem-sucedidos, compõem obras de arte que desafiam a classificação por faixas etárias.

Como, porém, encarar o desafio de mediar o encontro das crianças e jovens com o livro, com a leitura, com a literatura – sem esbarrarmos nestes três entraves?

 

1. Ignorar a riqueza das narrativas ancestrais

2. Usar o modo imperativo de que falou Pennac

3. Confundir ficção com não-ficção

É óbvio que a mediação é imprescindível não apenas para proporcionar esse encontro, mas para qualquer aprendizado humano. Segundo Vigotsky, a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada.5 Não temos tempo agora de analisar como esse autor e psicólogo russo define os signos e os instrumentos como mediadores entre o homem e o mundo; vamos apenas refletir sobre como todos os nossos aprendizados dependeram, e dependem, de alguma ação mediada. E isso não apenas no âmbito escolar, mas no familiar, social etc.

Precisamos também ter em mente que a literatura em geral, e a infantil ou juvenil em particular, primam pela intertextualidade, pelo diálogo incessante entre textos. Nenhum texto é absolutamente original: todos são a transformação dos que vieram antes.

Daí a importância de encararmos as obras atuais como herdeiras das antigas. Dos mitos de variadas civilizações, que sempre estiveram ligados às crenças de cada povo, às suas maneiras de ver o mundo. Entrelaçadas com o desenvolvimento da linguagem e da filosofia, as narrativas mitológicas constituem-se em relatos sobre deuses, heróis e antepassados. São estruturadas em torno de arquétipos, modelos ideais que fazem parte do inconsciente humano. Com o passar do tempo, as narrativas religiosas presentes nos mitos perderam seu valor sagrado para nós, mas permaneceram nas narrativas profanas que continuaram na boca do povo, mudando de forma, emigrando para novas terras, revestindo-se de novas roupagens e adereços.

Assim nasceram os que foram chamamos contos de fadas ou folclóricos; mora neles o que restou dos elementos dos mitos, depois que foram dessacralizados. E não existe obra literária clássica, antiga ou moderna, que não tenha raízes nessas narrativas ancestrais. Elas correram o mundo por séculos, misturando-se, transformando-se, refletindo as culturas das várias sociedades porém mantendo os elementos essenciais necessários para o crescimento das pessoas.

Estudiosos, pedagogos, psicólogos, terapeutas nos dizem que a criança que ouve essas histórias, com todos seus detalhes tenebrosos, é a que desenvolve melhor estrutura psicológica para lidar com as carências e a violência do mundo em que temos de viver. Por outro lado, os que ouvem ou leem apenas contos açucarados serão carentes da matéria de reflexão que as histórias ancestrais apresentam ao seu inconsciente. Segundo a pedagoga, escritora e crítica Fanny Abramovich, a ação de adocicar ou pasteurizar os contos retira deles os conflitos essenciais, excluindo toda a sua densidade, significado e revelação6:

 

Cada elemento dos contos de fada tem um papel significativo, importantíssimo e, se for

retirado, suprimido ou atenuado, vai impedir que a criança compreenda integralmente o conto…

 

E o psicólogo austríaco Bruno Bettelheim explica:

 

Nada é tão enriquecedor e satisfatório para a criança, como para o adulto, do que o conto de fadas folclórico. (…). Os que baniram os contos de fadas tradicionais e folclóricos decidiram que, havendo monstros numa história narrada à criança, deveriam ser todos amigáveis – mas se esqueceram do monstro que a criança conhece melhor e com o qual se preocupa mais: o monstro que ela sente ou teme ser, e que algumas vezes a persegue. Mantendo este monstro dentro da criança, sem falar dele, ou escondido no inconsciente dela, os adultos impedem-na de elaborar fantasias em torno da imagem que conhecem dos contos de fadas. Em consequência, fica impotente face às suas piores ansiedades – muito mais do que se tivesse ouvido contos de fadas que dão forma e corpo a estas ansiedades e mostram também os meios de vencer estes monstros.7

 

Não podemos, porém, julgar que a sabedoria antiga presente nesse tipo de narrativa – mito, folclore – faz parte apenas do passado. Na verdade, a cultura popular a mantém viva, presente!

 

Vamos refletir sobre isso mais uma vez citando Ricardo Azevedo:

 

Costumo dizer o seguinte: quando uma criança pobre entra na escola, ela costuma ser levada a inferir que seus pais e sua família não sabem nada e são até inferiores porque são iletrados, não sabem ler e escrever e desconhecem a História, a Geografia, a Matemática etc. Imagine a autoestima dessa criança! E o pior, tal premissa não é verdadeira pois essa criança vem de uma riquíssima cultura popular cheia de narrativas e contos (cada um melhor que o outro), adivinhas, ditados, quadras, anedotas, linguagens, receitas culinárias, danças, músicas, festas, técnicas etc. Mais um exemplo: o improviso é recurso típico das culturas populares pois elas não contam com a fixação permitida pela escrita: textos, partituras, receitas etc.

Ora, o improviso é um recurso sensacional que exige o desenvolvimento da criatividade e da intuição. Você conhece alguma escola que contribua para a capacidade de improviso entre seus alunos? Uma política de Educação pra valer terá que estabelecer a integração entre esses dois modelos: o oficial e técnico, mais individualista e enraizado na cultura escrita, e o popular, espontâneo e diversificado, mais coletivo e enraizado na cultura oral.8

 

Torna-se óbvio então, que nossa tarefa como educadores e mediadores de leitura vai muito além do mero ato de levar alunos a uma sala de leitura ou biblioteca. Esses espaços, às vezes, são os únicos em que muitos jovens conseguirão estar entre livros, entre histórias, entre estímulos culturais. Diz a bibliotecária colombiana Silvia Castrillon que

 

Na medida em que se aceita, sem discussão, que as funções de uma biblioteca pública se limitam ao apoio ao sistema escolar, à oferta de lazer por meio de atividades recreativas e ao acesso à informação para quem a solicita, perdem-se de vista outras possibilidades que a tornariam mais necessária e vital para a sociedade.

Um país requer bibliotecas que possam ir mais além dese plano mínimo de trabalho. Bibliotecas que, em primeiro lugar, se convertam em meios contra a exclusão social, isto é, que se constituam em espaços para o encontro, para o debate sobre os temas que dizem respeito a maiorias e minorias (…).9

 

Vivemos tempos complicados. Porém é maravilhoso perceber, ao visitarmos salas de leitura, salas de aula e bibliotecas em nosso país, que, na grande maioria, nossos educadores driblam as dificuldades que nos cercam – em todas as instâncias – e fazem esse trabalho indispensável de criar espaços para o encontro.

Listamos algumas das práticas que temos visto colocadas em ação, e que produzem belos resultados:

* Narração de histórias

* Leitura em voz alta

* Leitura compartilhada

* Reinterpretação de textos através de outras linguagens artísticas

 

Eis aqui mais duas, que podem ser incorporadas às que já acontecem:

 

* Busca do intertexto (textos secundários) a partir dos livros (textos primários)

* Valorização do repertório local, regional, ainda com vistas à intertextualidade

 

 

Como lidamos com o público jovem, não podemos nos esquecer de que transitamos no território da fantasia e do fantástico. Esses gêneros estão tão presentes nas histórias que os leitores apreciam, que não se questiona sua verossimilhança. Embarca-se no pacto Autor-Leitor, que o escritor e filólogo inglês J. R. R. Tolkien chamou de “suspensão da descrença”.

O leitor não questiona quais substâncias químicas havia nas pílulas do Doutor Caramujo para fazer Emília falar; nem como o Pequeno Príncipe viajou pelo espaço; nem por que Alice não se esborrachou no chão ao cair pela toca do Coelho Branco; nem quais elementos do pó mágico das fadas fazia as crianças voarem até a Terra do Nunca, ao terem pensamentos felizes… O leitor apenas aceita e embarca na leitura.

E isso é desejável: que ele “entre” nas histórias. Que faça esse “Pacto do Bem” com os autores de fantasia e que aprenda cada vez mais a imaginar.

Há quem critique a presença de elementos de fantasia nos textos que se proporcionam aos jovens leitores. Esquecem-se de que, na leitura, não estamos lidando com linguagem denotativa, e sim com a conotativa… Trabalhamos com metáforas, com linguagem simbólica!

 

O escritor Pedro Bandeira declarou recentemente que talvez a perseguição aos contos folclóricos, com a desculpa de que são “politicamente incorretos” é, na verdade, um novo modo de denominar a censura: só é politicamente incorreto aquilo que “eu” acho que está errado. Todo mundo que não pensa e não age como eu está errado! Mas isso sempre foi assim: na minha infância, um professor de Ciências Naturais seria demitido da escola se ousasse discorrer sobre os órgãos reprodutores quando ensinasse o corpo humano.

Segundo Bandeira, há um tipo de imposição do que é politicamente incorreto que se sobrepõe a tantas outras [censuras] que já existiam e continuam existindo. (...) O problema atual é a possibilidade de qualquer besteira ter uma imensa reverberação, multiplicando-se até explodir!

E nós? Só nos resta tocar nosso barco, sabendo que nada é mais verdadeiro do que a fábula de Esopo do homem que sai com o filho para vender um burro na feira. Temos de tocar nossa arte sabendo que sempre haverá alguns que não gostarão do nosso trabalho e até alguns que tentarão queimar-nos na fogueira!

 

Naturalmente, temos inteligência suficiente para compreender que palavras racistas ou machistas, comuns em textos antigos, não devem ser estimuladas, e que o respeito à diversidade étnica, religiosa e cultural é importantíssimo quando se lida com crianças e adolescentes. No entanto, se decidirmos censurar tudo que nos parece incorreto, aboliremos TODA A LITERATURA de nossas bibliotecas e salas de leitura. Autores como Shakespeare e Cervantes serão execrados – e esquecidos… Por que não, em vez disso, ler e identificar o que nos incomoda? Analisar o contexto histórico de cada obra? Disparar diálogos a partir disso, respeitando o que hoje conhecemos como lugar de fala?

Não podemos nos esquecer de que a censura e a queima de livros são práticas das ditaduras.

O escritor inglês Neil Gaiman, um dos mais conceituados autores atuais, em uma palestra em outubro de 2013, em Londres, fez algumas declarações interessantes:10

 

Estive na China em 2007, na primeira convenção de Ficção Científica e Fantasia aprovada pelo governo na história do país. A certa altura conversei à parte com um oficial graduado, e perguntei: Por quê? A Ficção Científica foi censurada aqui por muito tempo. O que mudou? E ele me disse: 'É simples. Os Chineses são brilhantes em fazer as coisas quando recebem projetos prontos. Mas não inovam e não inventam. Eles não imaginam nada.' Então eles enviaram uma delegação aos Estados Unidos, visitaram a Apple, a Microsoft, o Google, e entrevistaram as pessoas que estavam inventando o futuro. Descobriram que todos eles haviam lido Ficção Científica quando eram crianças.

A ficção pode nos mostrar um mundo diferente. Pode levar você a algum lugar onde nunca esteve. E quando você visita outros mundos, como aqueles que comem os frutos no País das Fadas, você nunca estará contente com seu próprio mundo. E as pessoas descontentes podem modificar e melhorar seus mundos, torná-los melhores.

 

O psicólogo, escritor, Mestre e Doutor em Educação Ilan Brenman, que estuda o movimento “politicamente correto” há quase 15 anos, diz que ele não é novo no Brasil e no mundo, mas que

 

sua força vem crescendo e ceifando histórias e autores. É um tema complexo e vinculado a uma visão de modernidade fragmentada e relativista. [O filósofo francês Jackes] Derrida, sem querer querendo, foi um dos artífices do que hoje chamamos “politicamente correto”, sua desconstrução foi a base para muitos começarem a caçar as narrativas “opressoras” que atingem leitores sensíveis e infantilizados. É no ambiente do mundo simbólico que deveríamos nos fortalecer.

 

Para encerrar, mais uma vez damos a palavra a Ricardo Azevedo:

 

No caso da literatura, o “politicamente correto” representa, na minha visão, o medo de trazer ao leitor questões da vida concreta. Medo de palavras usadas no dia a dia. Medo de sentimentos humanos. Medo de ideias que contradigam a cultura oficial. Medo da liberdade de sentir, pensar e criar.
Levar o “politicamente correto” a sério representaria a morte da literatura, pois ela é uma forma de experimentar a verdade humana por meio da ficção e da poesia. Graças à literatura, sentados numa poltrona e sem sair de casa, podemos entrar em contato com paixões e contradições; com as buscas do autoconhecimento e da identidade; com as ambiguidades e paradoxos da vida concreta; com sentimentos como amor, ódio, orgulho, inveja, solidariedade e humilhação; com alguém que anda construindo a própria voz; com a criação de utopias pessoais etc. isso sem falar entrar em contato com o humor e a alegria e com a reinvenção da linguagem. (…)
Diabos e bruxas são metáforas! Metáforas são formas de dizer uma palavra para, na verdade, dizer outra coisa. Trata-se talvez do mais relevante recurso da literatura e da poesia!
No caso, bruxas e diabos nada mais são do que metáfora ou representações do Mal. O que é o Mal? Ele pode ser a exploração do homem pelo homem. Ou a violência contra mulheres e crianças, a escravidão, o preconceito, a mentira, a corrupção, o abuso, a guerra, a tortura, o roubo do direito e da liberdade do outro, a humilhação de alguém etc. Poderia dar outros exemplos. O Mal infelizmente está em toda parte! Imagine formar crianças e jovens escondendo e evitando assuntos como esses! (…)

Imagine educar e formar pessoas com medo das questões da vida concreta. Com medo de palavras usadas no dia a dia. Medo de sentimentos. Medo de ideias que contradigam a cultura oficial. Medo da liberdade de sentir, pensar e criar!

 

É esse medo que nós, pais, mães, avós, escritores, educadores, bibliotecários, pessoas sensatas, precisamos combater. E, no caos que nos cerca, com tantas dificuldades, apenas os livros são as nossas armas.

 

*

 

Rosana Rios é arte-educadora e autora de literatura infantil, juvenil, fantástica.

Com mais de 30 anos de carreira, ultrapassou os 170 livros publicados e recebeu vários prêmios.

Site: http://rosanarios.wixsite.com/rosanarios

Blog: https://rosana-rios.blogspot.com/

1 Pennac, Daniel. Como um romance. Trad. de Leny Werneck. Porto Alegre, SS: L± Rio de Janeiro, Rocco: 2008.

2 Pínkola, Clarissa Estés. O Dom da História. RJ: Rocco, 1998

3Cunha, Maria Zilda da. Entre livros e telas – a narrativa para crianças e jovens: saberes sensíveis e olhares críticos. In: Via Atlântica, nº 14. São Paulo: USP / FFLCH / CELCLP.

4 Gregorin Filho, José Nicolau. Literatura para crianças e jovens: panorama de linhas investigativas. In: Via Atlântica, nº 14. São Paulo: USP / FFLCH / CELCLP.

5 Oliveira, Marta Kohl de. Vigotsky – Aprendizado e desenvolvimento. São Paulo: Scipione, 1993.

6 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.

7 BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas, A. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

8 Azevedo, Ricardo. In: https://blog.clubequindim.com.br/ricardo-azevedo-fala-sobre-os-desafios-da-infancia-atual/

9 Castrillón, Silvia. Direito de ler e e escrever, O. São Paulo: Pulo do Gato, 2001.

10Neil Gaiman. Palestra feita em outubro de 2013 na Reading Agency, Londres, UK (tradução nossa).

bottom of page